Respostas que tardam

Legislação branda, número reduzido de juízes e excesso de recursos são apontados como fatores que aumentam a dor de famílias que padecem em busca de justiça nos processos envolvendo acidentes

Reportagem: Aline Camargo, Jean Laurindo e Pamyle Brugnago
Fotos: Patrick Rodrigues
Edição: Cleisi Soares | Design: Arivaldo Hermes

O que dizer para pais que perdem filhos no apogeu da juventude, de forma violenta, em estradas que deveriam ser caminhos em vez de fim? Como se conforta alguém que precisa enfrentar dois anos de tratamento para se recuperar de danos físicos e emocionais de um drama definido na letra fria dos relatórios apenas como acidente? Talvez, algum conforto para essas famílias possa residir na sensação de justiça.

O Santa conta a seguir três histórias de vítimas e familiares que esperam pela punição das pessoas apontadas nos inquéritos policiais como responsáveis pelos respectivos crimes de trânsito. No primeiro acidente, em 2013, um casal que estava em uma moto morreu em Blumenau. O suspeito de provocar a colisão ainda não foi denunciado pelo Ministério Público. O segundo caso é de 2014 e a vítima até hoje se recupera das lesões causadas ao ser arrastada por 800 metros debaixo de um carro, enquanto o processo está na fase de recursos. O último ocorreu em junho deste ano, resultou na morte de outro casal em Indaial, deixando órfã uma criança, e o processo aguarda por uma audiência. Ou seja, ninguém foi punido até o momento.

São casos em que o possível alento se transforma em morosidade, sensação de impunidade e aguardo sem prazo para ter fim. São casos cujos familiares choram a saudade no afã de que o próximo ano encerre a dolorosa espera por justiça.

A presença de Maria Isabel é forte na pequena casa de paredes brancas no Encano, perto do limite entre Blumenau e Indaial. As fotos da menina que ainda se transformava em mulher estão espalhadas por todos os lados. Na sala, no quarto, em todas as paredes. Na camiseta da mãe ela sorri para a câmera, abraçada a Vitor, o namorado com quem era feliz há 10 meses. Acima deles a frase em letras maiúsculas diz: “SAUDADE ETERNA”. Um casal jovem e bonito, como tantos que desfilam pelas ruas de tantas cidades. Mas hoje os verbos que descrevem a beleza dessa juventude estão no passado.

A ferida que se abriu na vida de Amália Reiter em 29 de setembro de 2013 ainda não fechou e possivelmente jamais vai cicatrizar. Ela tenta apaziguar a dor sempre que vai até a cruz cravada no solo da Via Expressa, em Blumenau, o último lugar onde a filha esteve. Onde ela morreu vítima de acidente de trânsito.

– Eu sei que indo lá ela está vendo o que eu estou fazendo por ela, que não esqueci dela. Ali tem um pedaço de mim, é ali que eu tenho que me manter – reflete a mãe de Maria Isabel Mandel, morta aos 18 anos quando um carro atravessou o canteiro da Via Expressa e acertou a moto em que ela estava com o namorado, Vitor Johnny Pereira da Silva, 26 anos. Era um domingo à tarde. Ele testava a moto que pretendia comprar em algum dos dias úteis da semana que começava e a namorada não quis que ele fosse sozinho. O cuidado a fez vítima com o amado.

A mesma foto do casal sorridente na camiseta de Amália traz outra frase, abaixo da imagem feliz: “QUEREMOS JUSTIÇA”. Há três anos e três meses ela apenas espera que a Justiça ofereça algum alívio para os corações das duas mães que deixaram um pouco de si naquele asfalto. Uma das formas que encontrou de se manter mais perto da filha foi falar do caso e lutar para que a vida de Maria Isabel não tenha se perdido em vão. Mas pelo tempo que se passou, já quase perdeu as esperanças na Justiça dos homens:

– Tenho um advogado, eu sempre ligo, mas ele diz que está na mesa do juiz e que o juiz não se mexe. Que não chega naquele processo porque são muitos que ele tem para resolver. Eu fico assim, esperando a justiça divina...

Após o acidente Amália se engajou em buscar punição ao responsável e a tentar evitar que outras pessoas sejam vítimas. Depois de manifestações lombadas eletrônicas foram instaladas na avenida. Mas para Amália isso não é suficiente. Além de lidar com a falta da filha que era seu braço direito, ela precisa amenizar a dor da sua menina de nove anos, que via na irmã a maior companheira:

– Ela ajudava a irmã, era o xodó dela, tudo o que acontecia com a pequena era ela que resolvia. Para uma guria de 18 anos ela era muito responsável. Esses dias postei uma foto falando da saudade e a pequena escreveu: “Eu só queria entender por que tinha que ser com você, mana”.

Amália mudou de endereço para ficar mais próxima da família de Vitor Johnny, que prefere não falar sobre o acidente. Ela lembra do jovem como um rapaz honesto, responsável e trabalhador. As duas famílias se apoiam para superar cada dia de dor, enquanto esperam a decisão da Justiça, que ainda pode demorar para chegar. O Ministério Público nem sequer apresentou denúncia e a ação segue na fase de inquérito policial. E assim, dia após dia, Amália leva a vida. Uns mais tranquilos, em que as lembranças bonitas de sua doce menina são superiores. Outros pesados, em que a dor da perda prevalece e o sofrimento é mais poderoso. Assim ela espera. Apenas espera.

As lembranças das 52 cirurgias estão no corpo e na memória de Maristela Morais Stringhini. Em 42 anos de vida, essa guerreira coleciona histórias de superação. A mais recente ainda está sendo escrita. Em Lages, a 125 quilômetros de Rio do Sul, onde aconteceu o acidente em que foi arrastada embaixo de um carro após cair de moto, Maristela aguarda o julgamento do caso. E sonha com o dia em que finalmente subirá ao altar para dizer um sonoro sim ao noivo.

O companheiro, Wolni José de Amorim, que também estava na moto no momento do acidente, percorre ao lado de Maristela o caminho em busca de justiça.

– Ainda no hospital tentei terminar com ele. Eu realmente não sabia se iria sair dessa e como iria sair. A gente estava há pouco tempo junto quando ele me pediu em casamento e quando o acidente aconteceu estávamos há seis meses noivos. Depois de um tempo, brincava dizendo que ele ganhou uma “noiva cadáver” – sorri ao contar que alguns planos do casal mudaram, mas que o da cerimônia de casamento ainda existe e deve ocorrer após o julgamento.

Do dia 13 de abril de 2014, quando a vida da rio-sulense mudou completamente, já se passaram dois anos e oito meses. Hoje ela convive com dores, consequência das queimaduras que sofreu e aguarda a recuperação do corpo – já exausto das constantes cirurgias e efeitos das anestesias – para continuar o tratamento.

Tudo o que antes era simples se tornou desafiador. Depois de perder 100% de um seio e 90% do outro, Maristela passou os primeiros três meses seguintes ao acidente em um quarto de hospital evitando olhar pela janela. O local onde foi arrastada fica a poucos metros dali. No oitavo mês, já em casa, tomou o primeiro banho completo de chuveiro.

– Cheguei a enfrentar uma cirurgia por semana. Tudo é feito com muita dificuldade, tenho 50% do movimento de um braço e, como faço esforço com o outro, tenho dores. Cicatrizes nas pernas, braços, pescoço. Recentemente refiz um dos joelhos e não consigo ficar muito tempo em pé. Minha vida se resume a superar – descreve enquanto responde como está hoje.

Os custos do tratamento são altos. Remédios e fisioterapias são pagos por conta própria, ela não recebeu o apoio financeiro prometido pela família do motorista após o acidente.

No hospital e em casa, parentes fizeram força-tarefa, com escala e tudo, para lhe fazer companhia e ajudar no tratamento.

Apesar de todas as complicações na recuperação e hoje com limitações físicas, Maristela manteve o sorriso no rosto.

– No hospital eu ficava pensando como minha família ia ficar sem mim, que sempre fazia as pessoas rirem. Minha filha ia ficar órfã, pois já havia perdido o pai. Sempre pensei positivo, mesmo quando sentia que o clima não estava bom e que havia problema nos meus exames. Eu mentalizava que tudo ia dar certo e evitava chorar na frente das pessoas. Se eu pensasse negativo ou guardasse rancor, tinha certeza que aquilo ia prejudicar minha recuperação – ensina.

Ainda hoje, cada amanhecer é desafiador. As noites também não são fáceis, as lembranças do acidente viraram pesadelo constante. Maristela evita falar sobre Julio Cesar Leandro, motorista do carro que a arrastou pelas ruas, mas indigna-se ao imaginar que, em liberdade, ele possa repetir o que fez.

– Foi uma brutalidade. Eu estava indo para casa e alguém quase me mata. Por que uma pessoa dessa anda de carro? Se fez isso comigo, pode fazer com outro. O acidente aconteceu, fui arrastada e quem não dorme sou eu. Hoje acredito mais na lei divina do que na dos homens – resume, sem a certeza de que haverá condenação para o que sofreu.

Adriana tinha uma palestra no dia seguinte. Em 18 dias, comemoraria ao lado do marido o aniversário de dois anos do filho Lucas – festa cujos convites repousavam no carro. Sonhava em concluir as últimas matérias da faculdade e trabalhar com arquitetura. Planos interrompidos abruptamente no asfalto. Na noite de 21 de junho deste ano, o caminho de Adriana Jucéli Cattoni, 24 anos, e Everton Kreutzfeld, 27, chocou-se com o de Geovani dos Santos Machado, 29, em um acidente no trevo do Km 70 da BR-470, em Indaial. O casal morreu na hora. O filho Lucas estava no banco de trás do carro preso à cadeirinha e escapou ileso.

Pouco mais de seis meses depois do acidente, as famílias de Adriana e Everton ainda juntam os pedaços do que sobrou. Mas a sensação de impunidade é uma inimiga que parece querer postergar o estágio de luto. Geovani, que segundo autoridades e documentos do processo estaria embriagado ao ter causado o acidente, ficou menos de um mês detido. Um habeas corpus permite que ele responda ao processo em liberdade.

Não questionam mais por que eles, por que tão jovens. O pequeno Lucas, hoje com dois anos e cinco meses, é o legado de amor deixado pelos dois.

Se a Justiça não dá a resposta na velocidade que os familiares desejam, eles se apoiam no ciclo da vida para tentar superar a dor e a falta do casal. Ninguém se pergunta mais de onde Adriana e Everton vinham, se do mercado ou da casa de amigos.

Os pais de Adriana, Gilmar e Marlisa Cattoni, mudaram-se para a casa em que a filha e o marido moravam, no bairro Carijós, em Indaial. Um esforço feito para cuidar de Lucas no mesmo ambiente em que ele crescia. Os avós paternos, seis meses após o acidente, evitam o assunto e preferem não dar entrevistas. Eles moram na casa em frente e se juntam a Gilmar e Marlisa na missão de dar ao neto um amor do tamanho daquele que os pais lhe dedicaram.

Lucas está bem. Brinca e vai à creche todos os dias, a rotina que tinha antes do acidente. Mas, como saudade não tem idade, o pequeno às vezes ainda se cala; em outras, chama os pais.

– No começo ele chorava bastante pedindo por pai e mãe. Agora ele ainda pede, mas já não chora porque a gente explica que eles estão no céu, que são estrelinhas. Às vezes ele aceita. Tudo isso é muito difícil – conta a avó, dona de uma resiliência capaz até de fazer lembrar a de dona Ilaídes, que surpreendeu o mundo em novembro ao oferecer conforto enquanto ainda chorava a morte do filho Danilo na tragédia do voo da Chapecoense.

Rotina do casal e desejo de justiça da família

Adriana e Everton formavam um casal como tantos outros: jovens, esforçados, que se superam dia a dia em busca de sonhos, algum conforto e qualidade de vida – conquistas tão sofridas aqui abaixo da linha do Equador. Conheceram-se em fevereiro de 2010 e, até terminarem de construir a própria casa, chegaram a morar com dona Marlisa.

Em frase atribuída a Aristóteles, felicidade é ter algo o que fazer, ter algo que amar e algo que esperar. Nas famílias de Adriana e Everton, felicidade ainda é um termo deslocado. Mas eles já têm Lucas para cuidar e Adriana e Everton para amar. A espera fica por conta da justiça – um possível conforto para seguir em frente, ainda que com as lembranças do casal sempre na retina.

– Claro que a gente gostaria que houvesse justiça, mas indiferente do que acontecer com ele (Geovani), não trará os dois de volta – lamenta.

Na casa em que os avós criam Lucas, as fotos de Adriana e Everton foram retiradas para não fazer doer a ferida no menino. Conversas sobre o assunto na presença dele também são evitadas. Ainda assim, os cômodos trazem muitas lembranças. Das recordações da filha e do genro, a que dona Marlisa mais quer conservar é a do amor que sentiam um pelo outro e pelo filho.

Amor não é só uma reminiscência, mas uma herança que a avó quer passar adiante. Ela espera e torce, ainda que com desconfiança, por uma condenação do réu, mas diz não ter raiva – “não sinto nada por ele”. Não confunde justiça com vingança, nem desejo de punição com ressentimento.

– Não quero ensinar o Lucas a ter raiva nem ódio. Quero ensinar a ele só o que é amor.

Entrevista: Elias Mattar Assad, advogado criminalista

O advogado criminalista Elias Mattar Assad, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e membro da Academia Brasileira de Direito Criminal e Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), faz uma análise sobre a morosidade da justiça em casos envolvendo crimes de trânsito. O advogado paranaense já atuou em causas de destaque na mídia.

Por que os julgamentos de crimes de trânsito demoram tanto? Ao contrário de outros crimes, os envolvidos geralmente são identificados ainda no local do acidente e mesmo assim há morosidade no processo.

Existem processos específicos que demandam mais tempo, pelas peculiaridades do caso e até dificuldades materiais e humanas do sistema em cumprir as exigências da própria lei, tais como perícias, exames laboratoriais, enquadramentos em qualificadores incompatíveis com o fato, gerando infindáveis discussões teóricas, mas não podemos perder de vista o direito de ampla defesa que os acusados têm, pela nossa Constituição Federal. A violação deste princípio pode anular o processo, gerando mais demora.

Um dos acidentes desta reportagem ocorreu em setembro de 2013 e o Ministério Público ainda não apresentou denúncia. Além disso, no andamento do caso há diversos encaminhamentos entre a delegacia e o MP (os autos foram e voltaram várias vezes). Isso pode indicar problemas na instrução do inquérito, na apuração das informações? Como deveria ter sido feito para evitar isso?

Há casos em que a autoria ou a materialidade do crime não ficam devidamente esclarecidos, faltando provas técnicas. Nestes casos, se o MP ofertar denúncia carente disto, por certo, o processo será estéril, realimentando os problemas de impunidade e demora. Infelizmente a polícia tem mais investigações do que pode investigar, a Justiça mais processos que pode julgar e as cadeias mais presos do que pode abrigar.

O caso de Maristela Stringhini, mulher que foi arrastada por 800 metros em Rio do Sul, está há quase três anos aguardando para ir a júri popular. Há muitos recursos que acabam atrasando o andamento do processo?

O rumoroso caso do ex-deputado Carli Filho – matou duas pessoas em Curitiba, decolando com seu veículo a 173 km/h, embriagado – ainda está no STF e o julgamento pelo júri ainda está suspenso por uma liminar (do STF). Neste caso atuo na acusação pela família Yared. Quanto a recursos, existem recursos para evitar erros judiciários. Tem que se ter cautela. Existem casos de condenações precipitadas que a própria Justiça anula por violar direitos dos acusados. Não se pode comparar processos com maratonas. Em processos chegar antes não significa acertos.

A falta de “hierarquia” ou de relação entre os órgãos (Polícia Civil, IGP, Detran, guardas de trânsito...) pode atrapalhar a apuração e causar atrasos?

Não há “hierarquia” entre essas autoridades e sim sucateamento das instituições com falta de pessoal e equipamentos.

Como ficam estas famílias que perderam um ente querido ou estão em recuperação aguardando a justiça ser feita? Descrentes da justiça?

Em todos os processos existem “ganhadores” e “perdedores”, menos no processo penal. Nele, temos apenas perdedores. Perdem as famílias das vítimas, perdem as famílias dos réus e perde a sociedade. Outro mito que devemos nos livrar é de que aumentando penas e que pelos processos acabaremos ou diminuiremos o crime. Pense comigo, em 99,99% dos casos a polícia e a Justiça chegam depois de consumados os crimes. A solução estará sempre em educar para evitar as práticas de crimes. Aponto as famílias, as escolas e as religiões como responsáveis pelo ensino da ética ou do certo e errado.

Há processos mais ou menos complexos de serem encerrados? Qual a diferença entre um julgamento de morte no trânsito para um homicídio, por exemplo? Quais são as maiores dificuldades?

Na perspectiva da vítima, não há qualquer diferença entre morrer de acidente ou morrer por intenção de alguém. Morrer é morrer. Na perspectiva do acusado faz toda a diferença. É se teve intenção de matar alguém ou não, se foi ou não intencional. Faz toda a diferença. Não há prioridades em andamentos pela natureza do crime. De regra há prioridades para processos de réus presos.



Dramas familiares e prejuízos coletivos

As mortes nas estradas chocam e, se não chocam, deveriam. Somente este ano 76 pessoas perderam a vida na BR-470 segundo levantamento do Santa. Outras 21 morreram em acidentes somente nas ruas urbanas de Blumenau, totalizando 97 vítimas do trânsito. Não bastassem ser números superiores aos 30 homicídios registrados em 2016 na cidade, os crimes de trânsito não escolhem vítima, não há grupo de risco. Somente em 2014,43.075 pessoas morreram no Brasil em acidentes, segundo o Ministério da Saúde. Em Blumenau, pelo menos 183 acidentes deste ano (4,13% dos 4,4 mil registrados até novembro) tiveram como causa a embriaguez, conforme dados do Seterb.

Quando a tragédia anunciada se repete, expõe, além dos dramas familiares, um prejuízo com os custos do serviço público de saúde no atendimento à legião de feridos – de 2003 a 2011 Blumenau teve custo de R$ 1,7 bilhão para atender vítimas de acidentes, segundo dados do Ipea.

Casos de grande repercussão

2009

O deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho (PSB), 26 anos, se envolveu em um acidente de trânsito em maio de 2009 em Curitiba. O acidente aconteceu por volta da 1h, quando o Volkswagen Passat de Carli Filho, bateu em um Honda Fit. Morreram na hora Gilmar Rafael Souza Yared, 26, condutor do Fit, e Carlos Murilo de Almeida, 20, passageiro. Nos últimos sete anos, a defesa do ex-deputado estadual utilizou recursos para evitar o júri popular. O caso ainda aguarda julgamento.O STF definirá se Carli Filho irá a júri popular, que decidirá se o réu será sentenciado por crime culposo (sem intenção de matar) ou por crime doloso (com intenção).


2012
O empresário Thor Batista, filho de Eike Batista, se envolveu em um acidente que causou a morte de Wanderson Pereira dos Santos na rodovia Rio-Petrópolis em 2012. Um ano depois do atropelamento, Thor chegou a ser condenado pela juíza Daniela Barbosa, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, mas os advogados recorreram e reverteram a situação em fevereiro de 2015, quando o réu foi absolvido.

Acidentes de trânsito costumam representar um trabalho rápido para a Polícia Civil - a análise da cena é concluída no dia e os depoimentos são colhidos nos dias seguintes. Algo menos complexo do que a investigação de um homicídio, em que é preciso buscar imagens, identificar o autor, localizá-lo e interrogá-lo até concluir o inquérito. Quando há lentidão neste estágio, costuma ocorrer por falta de efetivo ou de laudos.

Quando se trata de crimes de trânsito, como embriaguez ao volante ou homicídio, os casos são enviados ao Judiciário. Ali, enfrentam as dificuldades que acometem outros processos de crimes comuns, como morosidade e excesso de demandas. As razões? Poucos juízes e promotores, processos de crimes graves misturados com casos menos urgentes em varas criminais, excesso de recursos após as primeiras decisões. A legislação branda é outro complicador, capaz de fazer promotores travarem verdadeiras guerras para comprovar o dolo – ou a intenção, a assunção do risco – a fim de garantir penas mais rigorosas.

– A lentidão do julgamento do processo causa uma sensação de impunidade que acarreta para os infratores contumazes a sensação de que as estradas são uma terra sem lei, eles ficam mais à vontade para cometer infrações e crimes – pontua o policial militar rodoviário e especialista em Segurança no Trânsito Emerson Andrade. A seguir especialistas apontam alternativas para diminuir a impunidade no trânsito.

Suspensão da CNH, ameaça estratégica aos infratores

Além do castigo no bolso, medidas como a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) – que na análise de advogados poderia ser automática em casos de acidentes com embriaguez ao volante – são sugeridas como forma de punição e intimidação de outros motoristas infratores. Um cerceamento que hoje ainda fica preso às amarras dos recursos no Detran e que na Justiça também é pouco usual.

– A suspensão é o que os condutores mais costumam temer, seria mais efetiva até que serviços comunitários – aponta o advogado especialista em Direito de Trânsito, Roger Mendes Cecchetto.

Legislação mais rigorosa é meta a ser alcançada

Ainda que o aumento das punições do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) possa provocar algum efeito segundo especialistas, o caminho para conter a sangria de vítimas do trânsito passa por uma legislação mais rigorosa. Um projeto de lei em análise no Congresso liderado pelo movimento Não Foi Acidente busca aumentar a pena para crimes de trânsito que envolvem álcool e direção para cinco a oito anos de prisão, o que poderia assegurar que ao menos parte da pena fosse cumprida em regime fechado.

Prisão inafiançável e outras sugestões

Além do aumento de penas, outras mudanças apontadas por especialistas como necessárias para aumentar as punições e diminuir a sensação de impunidade a quem faz vítimas fatais nas estradas são a possibilidade de prisão inafiançável em casos de flagrante, transformação do homicídio ao volante em crime hediondo e suspensão automática do direito de dirigir.

– A morte no trânsito precisa ser tratada com a mesma seriedade com que a morte por arma de fogo – pontua a especialista em Trânsito Márcia Pontes.

Órgãos específicos para atender casos de trânsito

Parte da demora na evolução de processos ligados a crimes de trânsito poderia ser amenizada, segundo profissionais do Judiciário e da própria Polícia Civil com a criação de órgãos ou setores específicos para atender a alta demanda desses casos. Antes de colocar o fim da morosidade dessas situações no plano da utopia, vale lembrar que para infrações de menor potencial ofensivo, como lesão corporal, um processo mais curto entre polícias rodoviárias e Judiciário garante audiências e sanções mais rápidas.

Comportamento preventivo

Além da legislação mais rigorosa e do fim da morosidade, é necessário outro aliado para conter o genocídio do trânsito. Somos cada um de nós, com o desafio de deixar a hipocrisia de lado e não tolerar mais imprudências, excesso de velocidade e combinação de álcool e direção. Quebrar o estigma de criminoso que para alguns só cabe em corpos de jovens de pele escura da periferia, e entender que muitas vezes o criminoso está na nossa mesa de bar, com uma chave na mão. Adotar e cobrar nas próprias vidas a postura que se deseja de todos. Ninguém muda o mundo se não é capaz de mudar a si mesmo.

Fontes ouvidas pela reportagem:
Roger Mendes Cecchetto, advogado especialista em Direito de Trânsito.
Rodrigo José Leal, professor de Direito da Furb
Emerson Andrade, policial rodoviário e especialista em Segurança no Trânsito
Márcia Pontes, coordenadora estadual do movimento
Maio Amarelo e especialista e educadora de Trânsito
Bruno Effori, delegado de Polícia Civil de Blumenau
Juízes, promotores e advogados ligados aos casos

Respostas que tardam
  1. Section 1
  2. Espera que aflige
  3. Uma vida de superação
  4. Uma lição de amor
  5. “No processo penal não há ganhadores e perdedores”
  6. Dificuldades e caminhos para reduzir a impunidade